sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

O Tapetão do Supremo

Colaboração: Lia Célia 30.11.2005
Foi um absurdo o Senado ter cassado os direitos políticos de Fernando Collor de Mello.O ex-presidente viria a ser absolvido pela Justiça comum, que considerou não haver provas suficientes para condená-lo por corrupção. E Collor foi punido pelo Poder Legislativo por que motivo? Por faltar ao trabalho enquanto se banhava nas cachoeiras da Casa da Dinda? Não, Collor foi cassado pelo Senado por ter sido identificado como o articulador da máquina de extorsão do Esquema PC. Não há dúvidas de que um Supremo Tribunal Federal diligente como esse presidido pelo deputado Nelson Jobim teria evitado tal injustiça contra Collor. Afinal, como decidiu o Judiciário, não havia provas suficientes contra ele. E é isso o que Collor afirma até hoje: foi atropelado por um julgamento político, um linchamento comandado pela histeria da oposição. O “devido processo legal” na Justiça dá razão ao ex-presidente. Embora a fartura de depoimentos, testemunhos, indícios e evidências tenham tornado óbvio, para o Brasil inteiro, que Collor mandava em Paulo César Farias e era sócio dele, a ação penal não conseguiu reunir e concatenar os elementos suficientes para condená-lo criminalmente.
Collor caiu em desgraça porque o Congresso formou sua convicção política a respeito dos desvios praticados pelo então presidente. Era soberano para tomar essa decisão, cassou a licença do primeiro mandatário, e ponto final.Nos dias de hoje, Collor jamais seria cassado. Todas as decisões do então presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro, para abreviar os ritos do processo de impeachment – e evitar que ele atolasse em minúcias regimentais – parariam no STF. O Supremo facilmente argumentaria que a condução do caso feria “o devido processo legal”. Se agarraria ao pé de alguma letra do regimento da Câmara e mandaria o julgamento político de Collor para a mesma geladeira onde tem descansado o de José Dirceu. Possivelmente até o cheque de Manoel Bonfim, o fantasma do PC que pagou o Fiat Elba de Collor, perdesse seu efeito bombástico. Foi a peça central para a condenação política do ex-presidente, mas hoje o STF enfiaria o pé na porta do Congresso e desafiaria: “Onde está o direito ao contraditório?” Na época, a defesa de Collor sustentava que aquela despesa, paga daquela forma, não era suficiente para evidenciar crime de corrupção passiva.
A Justiça (o próprio Supremo) também achou que não, e inocentou Collor. Mas a Câmara, o Senado e a torcida do Flamengo viram que, sim, Collor comandava o Esquema PC, e com todo o respeito ao contraditório mandaram o presidente para casa. O Brasil talvez esteja arrependido de ter cassado Collor. Se estiver, é melhor correr para corrigir os livros de história e as enciclopédias.
Eles já registram que a democracia brasileira chegou ao auge da maturidade quando, numa aliança sem precedentes entre políticos e sociedade, flagrou, cercou e expeliu um presidente corrupto. Agora o país está inseguro. Deve ser a crise da maioridade democrática. Nas melhores esquinas, andam dizendo que a legalidade tem como árbitro final e insubstituível o Supremo Tribunal Federal, que todas as decisões de direito estão sujeitas a ele. Acovardou-se, o Brasil.Há um erro grave nesta interpretação. O STF é a corte máxima da esfera judicial. Mas não é o guardião onipotente da legalidade.
O Poder Legislativo, por exemplo, tem autonomia para tomar decisões de direito. E o Supremo não é um corregedor desses processos decisórios.A Câmara e o Senado não podem condenar ninguém à prisão. Mas podem realizar julgamentos políticos completos, e há as instâncias do próprio Legislativo prontas a acolher recursos contra eventuais imperfeições nesses processos. Mas o Brasil está inseguro. Talvez seja melhor o Congresso fechar a Comissão de Constituição e Justiça e mandar as matérias diretamente para o STF. Chega de intermediários.
Numa das primeiras críticas da civilização à onipotência do Judiciário, o pré-socrático Heráclito sentenciou: “Às vezes, as provas cansam a verdade”. Ao sujeitar a autoridade legal de sua casa política às manobras políticas de sua corte judicial, o Brasil começa a confundir legalidade com esperteza processual. A verdade está exausta.

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