domingo, 11 de março de 2007

Opinião: Visita ao inferno por R$ 4.400

Foto ABI




Siro Darlan, desembargador

Após ler no jornal que um jovem privado da liberdade custava ao contribuinte R$ 4.400 por mês, tive a curiosidade de visitar uma unidade destinada a ressocializar adolescentes. Visitei o Instituto Padre Severino, acompanhado do vice-presidente da OAB-RJ e oito Conselheiros Tutelares.
Não foi surpresa saber que onde só cabem 130 jovens havia 230 internados. Horrorizada, a equipe que visitava o Instituto Padre Severino constatou que o lugar que chamam de cama é um beliche de cimento sem colchão, onde dormem dois, às vezes três jovens adolescentes. Escova de dentes só tem aqueles que recebem dos familiares - assim mesmo é cortada pela metade pelos agentes de segurança. O local destinado à higiene pessoal, infestado de ratos e baratas, e a comida servida em quentinhas frias e com limite de cinco minutos para engolirem o que é servido duas vezes ao dia. As oficinas profissionalizantes não funcionam porque há mais de três anos não recebe material e os mestres estão ociosos. A única oficina ainda resiste no aprendizado de fazer pipas graças a doações dos funcionários ao esforçado professor.
Os jovens permanecem enjaulados nas celas infectas e promíscuas de onde só saem para o refeitório e para as salas de aula, único serviço que funciona bem graças ao convênio com a Secretaria de Educação e aos esforços das professoras que se dedicam ao ensino básico e precário dos jovens infratores. Os médicos e medicamentos são raros, não há antibióticos, e muitos jovens apresentam sinais de violência em seus corpos sem o tratamento adequado. Sarna e coceiras são constatados sem maior esforço através de simples visualização. Não é sequer fornecido aos jovens um chinelo, e muitos, exceto aqueles que recebem dos familiares, andam descalços no chão imundo e impuro.
Contudo o Brasil é signatário do documento que impõe aos países civilizados o respeito às Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade. E ao se verificar que os jovens brasileiros estão sendo submetidos a condições indignas identifica-se a preocupação do presidente da República ao atribuir à falta de respeito à legislação por parte dos administradores públicos as causas reais da violência.
Reza o referido documento que o sistema de justiça da infância e da juventude deverá respeitar os direitos e a segurança dos jovens e fomentar seu bem-estar físico e mental. Não deveria ser economizado esforço para abolir, na medida do possível, a prisão de jovens. Foi encontrado na unidade um jovem com 14 anos privado da liberdade há 30 dias por haver sido pego pescando em área proibida. E o mais grave é que, contrariando norma legal, encontrava-se no mesmo espaço físico de outros que haviam cometido atos infracionais mais graves.
O Brasil está obrigado a garantir que todos os centros de detenção patrocinem ao jovem privado de liberdade uma alimentação adequadamente preparada e servida nas horas habituais, em qualidade e quantidade que satisfaçam as normas da dietética, da higiene e da saúde e, na medida do possível, às exigências religiosas e culturais.
Quem é o infrator? A autoridade governamental que descumpre a Constituição do país e até mesmo os compromissos assumidos com a comunidade internacional ou o jovem que, diante desse exemplo de transgressão, comete atos infracionais? Não seria o caso de cobrar dos adultos exemplos e coerência no desempenho de suas funções públicas para então discutir-se redução de responsabilidade penal para jovens?
O Ministério Público obteve da autoridade governamental o compromisso de respeito a uma lei que está em vigor há mais de 16 anos e assinou com o governo do Estado um Termo de Ajustamento de Conduta pelo qual o governo estadual se comprometeu a cumprir alguns artigos do ECA. Mais uma vez deixou de cumprir os compromissos assumidos e deixou o Ministério Público com um título de execução na mão e os adolescentes infratores, só eles que foram punidos, continuam na escola do crime e da violência.
Como ressocializar esses jovens mantendo-os no viveiro realimentador da violência que os vitimiza desde sua concepção? O resto é hipocrisia e continuar enganando a sociedade através do desvio do verdadeiro debate que pode levar a paz social tão almejada. E o mais grave: se são destinados R$ 4.400 para manter cada adolescente enjaulado nas condições mais desumanas, para onde está indo tanto dinheiro?

Fonte: Matéria na íntregra do JB Online

Colaboração – Ruteneia Barreto

Leia matéria original abaixo do JB Online. 07.03.2008
http://jbonline.terra.com.br/editorias/pais/papel/2007/03/07/pais20070307016.html
Crianças e adolescentes trocam tráfico de drogas pelo roubo no Rio de Janeiro - Folha SP

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